Arrastões atrás de trio elétrico e grandes shows musicais com artistas famosos, são comumente confundidos como manifestações culturais
Muito tem se associado a cultura ao entretenimento. Aliás, tem sido comum resumir cultura a entretenimento, como se a cultura fosse passível de ser entendida como um boteco com música ao vivo, uma casa de shows, grande espetáculos com diversos artistas de renome, mas que não fazem parte da cena local, não representam o identitário do lugar e de sua gente, as "lavagens" de ruas, esquinas, árvores, de espaços públicos e privados, as datas "comemorativas" criadas pela gestão pública, e pelo poder legislativo, como se isso fosse o suficiente para justificar dispêndios financeiros em suas realizações, muitas vezes de conveniência política, ou a ir “atrás do trio elétrico”, isso sem falar, no campo literário, dos famigerados best-sellers importados e quase obrigatórios até nas escolas,e dos doutores em conceituações simplórias e enviesadas, tão comuns no meio jornalístico. Entretenimento é distração, é diversão, é divertimento, é lazer. Cultura é outra coisa.
Diversão é, para Antônio Houaiss, “algo que serve para divertir”, mas também, “diversionismo” – aquela manobra de manipulação política que consiste em discutir o que não é importante para ocultar o importante – e, em um uso militar, explica o filólogo, significa uma “ação que tem a finalidade de desviar a atenção do inimigo”. É o uso equivocado e proposital dos verbetes cultura, eventos, entretenimento num mesmo contexto, para agradar ou garantir vantagens a grupos ou indivíduos, para o bem da "governabilidade",
É muito boa a explanação de Michel Maffesoli sobre as divertidas e sensuais tribos urbanas e seu grande corpo coletivo, aqui também podemos estender aos mega encontros de cunho étnico e religioso, vivenciado nos shows musicais, nos festivais e nas comunidades simuladas dos bares, na potencialidade revolucionária da orgia e outras idéias barrocas ou nos espetáculos enquanto negócio meramente comercial.
Isso não significa que a alegria e a festividade não possam compor a vivência cultural. A cultura não é feita para divertir, mesmo quando é divertida. Quer ir além disso: quer firmar identidade, quer preservar valores e costumes do processo civilizatório de um povo, mesmo de um pequeno grupo social. As manifestações culturais ao público proporciona sim o lazer e devem garantir aos seus agentes sustentabilidade, que pode ser alcançado com planejamento e investimentos financeiros públicos e privados, entendo também como um produto capaz de alavancar o turismo, a empregabilidade e renda, além da discussão sobre conceitos cívicos de pertencimento e auto-reconhecimento.
É preciso que fique bem claro que entretenimento e cultura não são a mesma coisa. Entreter é distrair, oferecer atividades com as quais o homem passe a parte livre de seu tempo, até mesmo na prática de esportes, é conceder distrações e diversões. Aliás, segundo o dicionário Houaiss, divertir alguém é proporcionar-lhe uma mudança de direção na sua rotina, desviar sua atenção para o foco que convém a determinadas categorias políticas. Cultura (do latim colere, que significa cultivar) é um conceito de várias acepções, sendo a mais corrente a definição genérica formulada por Edward B. Tylor, segundo a qual cultura é “todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade”
No Brasil, ainda existe a tendência de fazer da ação cultural um instrumento de lazer para o tempo livre. Essa contradição é explicada em parte pela falta de sensibilidade do Poder Público que continua tratando o tema como supérfluo diante de outras demandas da população. Em tempos de violência, problemas nas redes de saúde, educação, mobilidade urbana, e moradia, falar de arte parece escárnio.
Segundo dados do próprio IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em mais de 80% das cidades brasileiras não há órgãos exclusivos para gerir a cultura. Assim, a área é "empurrada" para outras secretarias, como a de educação, de turismo, de esporte ou mesmo de lazer.
POR RICARDO VIEIRA
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